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domingo, 25 de outubro de 2009

"HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA" Capítulo 1

Hoje começo aqui um outro capítulo deste blogue. Por capítulos vou contanto um pouco mais da história desta aldeia e das suas gentes.
Como a maioria dos habitantes da aldeia, os meus pais eram muito pobres. Quase todos, viviam de uma agricultura de subsistência e do pouco dinheiro que o meu pai trazia da carpintaria onde trabalhava.
Os bens alimentares, como a batata, o tubérculo essencial nesse tempo à alimentação familiar, o milho o feijão, a couve entre outros que eram semeado em terras nossas e de arrendamento.
Na nossa velha e pobre casa, onde, em dias invernosos, era preciso aparar as goteiras de água com baldes pois o tecto tinha buracos.
As grossas paredes exteriores eram em pedra, mas o interior, quase amplo, tinha umas paredes de contraplacado que separavam as três divisórias. Duas divisões pequenas em forma de quarto, um dos meus pais e do meu irmão mais novo e o outro meu e dos meus outros dois irmãos, pois a minha irmã mais velha já era casada.
O chão era de madeira, percorrido por uns quantos buracos tapados com tábuas.
O vestuário era o mais simples e quase sempre feito de roupa que era dada à minha mãe e ela aproveitava para fazer roupa para os filhos.
Brinquedos comprados, nem pensar! Não havia dinheiro para tais luxos. Nós fazíamos os nossos brinquedos, eu, fazias as bonecas de trapos velhos (eram as bonecas mais lindas que eu conhecia). Os carros e barcos dos meus irmãos eram feitos da casca do pinheiro (carrasca). Como é um material muito maliável era fácil de trabalhar. Um outro brinquedo que usava era a fisga. O elemento principal era recortado de um ramo de árvore em forma de Y, e as extensões elásticas eram cortadas de uma câmara-de-ar de bicicleta. Este pequeno brinquedo, era uma armadilha para, através de isco, apanhar aves, então lá iam os rapazes para as terras em redor tentar apanhar um pássaro.

Quando entrei para a escola primária, em 1969, em Góis, que ficava a cerca de quatro quilómetros da minha aldeia, então com 6 anos de idade, não ia sozinha pois a aldeia de Cortecega tinha muitos miúdos. Nessa época chegámos a andar 17 na escola primária, todos ao mesmo tempo.
No ano em que nasci nasceram mais 5 crianças nesta aldeia. Como todas as crianças do lugarejo onde vivia, íamos a pé, fizesse chuva ou sol escaldante. A roupa e calcado que usávamos por vezes não se adequavam ao tempo. Lembro-me de no inverno chegar-mos à escola completamente encharcados. Nesta altura havia uma escola de raparigas e outra de rapazes.
A alimentação era levada de casa, coisas cultivadas no campo como a broa de milho, milho este cultivado por nós, os ovos, mas na maioria das vezes era uma sardinha na broa. Lembro-me de uma colega, a Lena cujos pais eram caseiros numa vacaria e por vezes ela trocava a minha sardinha pelo queijo dela.
Tínhamos de nos levantar muito cedo e palmilhar aqueles quatro quilómetros e à tarde, quando a escola terminava, regressávamos todos juntos.
Nestes tempos não se bebia café todos os dias de manhã, pois era um bem só para quem podia, mas os nossos pais sempre que chovia e chegava-mos molhados a casa, faziam-mos um café bem quente porque ajudava nos resfriados (constipações) e nós como gostavá-mos tanto deste miminho, muitas vezes deitávamo-nos nas valetas cheias de água para chegármos a casa molhados e termos direito à caneca de café quentinho.

Uma das alturas mais bonitas do ano era o Natal. Na minha casa nunca faltou o presépio, íamos ao campo apanhar o musgo, a cabana era de bocados de pedras maiores revestida de palha de centeio, as casas era feitas com pedras pequenas, as ovelhas com um bocado de pau e lã que tirava-mos das ovelhas a igreja era simbolizada por uma cruz feita com paus.
No dia de Natal acordava-mos cedo, pois apesar de pobres a minha mãe tinha sempre uma coisinha dentro das nossas botas de borracha, ou umas meias ou um bocadinho de palha. Esta palha era vendida ao quilo, e era composta pelas aparas das bolachas de baunilha. A cada um calhava um bocadinho embrulhado num cartucho, feito de papel da lista telefónica. Ía-mos assistir à missa à vila, que como já disse, fica a cerca de quatro kilómetros.
O almoço deste dia era um bocadinho melhor: canja de galinha e arroz com galinha ou um bocado de carne de porco, arroz doce e filhós, sempre que possível, na companhia da família e amigos.
Nunca houve fartura na minha casa, mas graças a Deus, nunca passei fome, coisa que muita gente passou.
Comecei a trabalhar com 11 anos, pois os rapazes podiam ir para o liceu as raparigas ficavam para ajudar nas lidas da casa. Com o tempo a vida foi melhorando muito e hoje a vida no interior, muitas vezes, tem mais qualidade que na cidade. É Pena que as pessoas tivessem que partir à procura de emprego, como o caso da maioria das pessoas que migraram. Sempre que posso vou lá passar uns dias para recarregar baterias.
No entanto guardo esta fase da minha vida com muito amor, serenidade e paz, que são um dos pilares da minha evolução como pessoa.
Esta minha história é a história de muitos meninos desta aldeia e de outros aldeias nestes tempos passados.
Publico aqui a cópia da capa dos três exemplares dos livros escolares, que já em adulta comprei, para mais tarde os voltar a ler e contemplar, uma vez que os meus eram emprestados e passaram para outros meninos. Ainda me falta o da quarta classe.
Deixo aqui uma das muitas histórias passadas nestas aldeias que continuarei a contar neste blogue. Estas, só servem como testemunho para jovens que hoje desistem da escola logo no primeiro obstáculo.

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A MINHA ALDEIA

" Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver. "
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"