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terça-feira, 17 de novembro de 2009

QUEIJO DE CABRA E O SEU ESTRELEQUE (soro) "7º. Capitulo"

Mais uma pequena historia que me lembro dos meus tempos de criança.
Naquela época havia grandes rebanhos de gado nesta aldeia. Todas as pessoas tinham as suas ovelhas ou cabras, ou para venderem os cabritos e os cordeiros, ou para consumo próprio. Era um dos poucos rendimentos existentes.


Bem, mas havia um rebanho que se destacava, pois chegaram a ser 150 cabras ou mais, era o do “tio Zé Alves” como a gente lhe chamava, homem de poucas falas. Lembro-me também que chegou a ter uma junta de bois e uma burra.
A junta de bois servia para lavrar os seus campos e dos restantes aldeões.
Voltando às cabras! O curral dos animais era perto da minha casa, então logo bem cedo, lá vinha a “tia Casilda” esposa do tio Zé Alves carregada de cantaras de latão para levar o leite que ordenhava das cabras para fazer os seus belos queijos.
Tirava-se o leite à cabra. O coalho deixado de molho de um dia para o outro era coado, para dentro do leite, fazendo então, o queijo de cabra.
O queijo é produzido pela coagulação do leite. O leite coalhado é a parte sólida resultante da coagulação do leite. A coagulação é obtida usando uma enzima designada coalho.


Nos campos nascia uma flor chamada cardo de flor branca (raro) e lilás. Lembro-me de ver esta flor no quintal da minha tia Hermínia e no da tia Cassilda. Esta flor possuía actividade coagulante. As flores eram colhidas no Verão, sendo guardadas em locais secos, para a sua utilização durante o Inverno.
Depois de mungido (ordenhado) das cabras, nos estábulos ou currais, o leite era coado por panos brancos e limpos, e depois juntavam-se uns centilitros de água na qual eram dissolvidas, umas gramas de coalho, na proporção do leite que tinham para coalhar.



Passado 2 a 3 horas está pronto para fazer o queijo numa bacia ou francela de madeira. É espremida a coalhada dentro de assinchos (folha de alumínio esburacada), pelos orifícios destes era tirado o soro e o ar. Depois de feito era adicionado sal a gosto para conservar, no dia seguinte era voltado de baixo para cima e levava a mesma quantidade de sal. Era depois colocado a enxugar nas queijeiras durante 15 dias, sendo voltados todos os dias.


Quando enxutos eram colocados em cestas com palha para secarem bem. Alguns depois de secos eram barrados com azeite e colorau (pimentão doce) e deitados dentro de um pote de barro em azeite, assim conservavam-se e ao longo do ano sempre que fosse necessário lá estavam eles com um sabor delicioso.
O liquido que saia pelos orifícios o soro, nós chamávamos estreleque ou almeçe e estávamos todos os dias a espera (digo estávamos porque na aldeia muitos gostavam) que a “Tia Casilda” acabasse de fazer o queijo para nós lá irmos buscar este precioso liquido, o qual se juntava pão ou broa e era muitas vezes uma das nossa refeições. Lembro-me chegar da escola e de o ir buscar, ou vir dos campos onde andava no cultivo, por vezes longe, de propósito para vir buscar o estreleque ou almeçe e assim fazer a refeição ou do almoço ou lanche.

Bem, mas como o gado saia para as serras era preciso haver sempre alguém atento, um pastor para tomar conta delas, mas por vezes o tio Zé Alves deixava-as nas encostas e aproveitava para cuidar do cultivo do campo.
Mas, para que isto fosse possível, os animais tinham de estar identificados, para isso existiam os chocalhos.


Os chocalhos são uma espécie de campainha que se põem ao pescoço de alguns animais, como ovelhas e cabras, para denunciar a sua presença. A colocação de chocalhos nos animais, permite ao pastor localizá-los mais facilmente, sendo muito útil para recuperar os animais perdidos ou aqueles que se costumam afastar.
A matéria-prima utilizada para a confecção é o bronze, liga de cobre e de estanho que é empiricamente preparada pelo artesão, que outras vezes recorre à fundição de velhas e inúteis campainhas trazidas por lavradores e pastores.
Previamente o artesão constrói moldes de madeira da peça que tenciona fabricar: chocalho ou campainha de qualquer dimensão e vária sonoridade, meias campainhas, guizos...
Mas lembro-me de ver o Tio “Zé Alves” a fazer os chocalhos para o seu gado, fazia-os de latões velhos e outros materiais.

A qualidade do queijo vem da época da ordenha, pois de Outubro a Março era a melhor e era o que se guardava para sustento da casa até à nova época.


O leite de Abril a Setembro é comido (bebido) mais fresco. Os queijos devido às flores das ervas e dos matos saiam mais arrendados e não eram tão saborosos. Quem sabe apreciar acha-lhe a diferença.

Bem e aqui fica mais uma pequena história do passado

terça-feira, 10 de novembro de 2009

OS TORTULHOS "6º. Capitulo"

TORTULHOS

Começou a época dos Tortulhos (cogumelos) como são chamados na minha terra. Na nossa região são apenas apanhados, os Tortulhos, cepas e Sanchas amarelas e as brancas).

É preciso ter muito cuidado ao apanhar, se não se conhecem é preferível deixar ficar do que trazer na dúvida para casa, pode ser fatal.


Se as chuvas aparecerem mais cedo, por exemplo em Setembro, logo nesse mês começam a aparecer os Tortulhos, mas a partir de Outubro, quando a humidade e as chuvas se fazem sentir com intensidade, vê-se parte da zona circundante a Cortecega de Tortulhos, Espalham pelos montes, são encontrados nos terrenos de cultivo nos olivais em terras secas.

Na minha terra natal (Cortecega), quando o tortulhos (cogumelo) se encontra ainda fechado chama-se maçaroco e são os preferidos, são mais saborosos e estão mais limpinhos por dentro. Há uns que aparecem no meio dos castanheiros e chamávamos-lhes os carqueja.



Os tortulhos também designação corrente extensiva aos cogumelos altos de chapéu, de cor creme e castanho com um anel no início do pé, também confeccionadas de várias formas.

Mal caiam as primeiras chuvas e lá íamos nós pelos montes à procura deste saboroso petisco.

Antigamente os tortulhos não eram cozinhados de tantas maneiras como são nos dias de hoje, assim deixo aqui a maneira como se fazia na minha aldeia:



A minha mãe costumava lavar os tortulhos e espremia-os;



Numa frigideira ponha um pouco de azeite, um dente de alho, juntava os tortulhos atrás referidos e polvilhava com farinha. Envolvia tudo, deixava cozinhar, acompanhava-mos com broa. Para mim e para os meus irmãos era um petisco só desta época do ano.



Outra maneira: Era fazer filhós de tortulhos: Deitava-se um pouco de farinha de trigo num alguidar, sal, os tortulhos depois de lavados e espremidos, amassavam-se bem. Depois eram fritos em azeite ou óleo bem quente em pequenas colheradas.



Outra maneira: Era abrir bem os tortulhos, juntar umas pedrinhas de sal e assa-los nas brasas da lareira. Depois de assados eram temperados com um bocadito de azeite. Hoje em dia são cozinhados de várias maneiras. Ainda ontem falei com a minha cunhada ao telefone que medisse que tinham apanhado muitos junto a sua casa e estava a estufa-los, ou seja:

Num tacho faz-se em refogado com cebola, alho, louro, tomate (ou polpa de tomate) e azeite, deixa-se refogar um pouco e depois junta-se os tortulhos, deixa-se cozinhar até estarem tenrinhos. Acompanha com arroz ou batata tudo depende do gosto de cada um.



Mas também pode ser cozinhado de vária maneiras, deixo aqui uma receita tirada da internet em receitasdoabrasivo.blogs.sapo.pt., porque já fiz e é muito saboroso, embora a receita diga que se faz com míscaros eu fiz com tortulhos.

Arroz de Tortulhos.

Lavar e cortar os tortulhos ou míscaros às tiras: 400 gramas de míscaros. Fazer um refogado com 1 cebola média e 3 dentes de alho picados e 3 colheres de sopa de azeite virgem. Neste salteei os míscaros. Tempere com sal e pimenta preta e junte 400 gramas de arroz, 1 litro de água a ferver e 1 raminho de salsa picada.

Mude este preparado para um tabuleiro e leve a cozer em forno previamente aquecido até quase desaparecer o líquido. Retire o arroz do forno, polvilhe com bastante Queijo parmesão ralado, envolva tudo e serva.


Tortulhos (cogumelos) silvestres estão a tornar-se cada vez mais importantes na nossa dieta pelas características nutricionais e farmacológicas. A alta proteína e baixo teor de gordura/energia encontrada nos cogumelos silvestres comestíveis, relatado em muitos trabalhos, faz destes excelentes alimentos em dietas de baixas calorias. Relativamente ao potencial farmacológico, os cogumelos apresentam propriedades tais como anti-inflamatório entre outros.

domingo, 8 de novembro de 2009

A APANHA DA AZEITONA " Capitulo 5

Estamos no mês de Novembro, mês do início da apanha da azeitona. Antigamente havia muitas oliveiras, muitas, mesmo!

Normalmente as pessoas falavam umas às outras para irem apanhar a azeitona, um dia iam para uma família no dia seguinte para outra até a apanha terminar.

Também ia-mos vender o dia, ou seja, trabalhar para outras pessoas a ganhar dinheiro.

Mas nem sempre era possível se juntarem grandes ranchos de pessoas e assim cada casa ia com a sua própria família apanhar a sua própria azeitona.

Lembro-me de começar bem pequenina, bem cedo logo pela manhã, ia-mos apanhar a azeitona. Reuniam-se homens e mulheres abastecidos dos respectivos apetrechos indispensáveis à safra: escadas; cambos ou cambãos (pau com gancho para apanhar os frutos); sacos;


Chegava-mos , montávamos as escadas de madeira e subia-mos até a ponta da oliveira. Com um sarrão, a cintura ou os cestos de verga apanhava-mos a azeitona uma a uma.

Depois da oliveira estar toda limpa tínhamos que colher as que estavam no meio das ervas. Não era fácil, pois como a colheita é no mês de Novembro e Dezembro e por vezes início de Janeiro, o tempo está muito frio e as mãos gelavam, ficavam engadanhadas como se dizia antigamente. Então eu dizia mãe tenho as mãos engadanhadas, ela respondia assopra ar quente com a boca e mete-as um bocadito debaixo dos braços. Confesso que não era fácil.

Anos mais tarde já eram espalhados debaixo das oliveiras uns panais, (panos que se estendem junto às oliveiras onde caem as azeitonas). Estes eram grandes serapilheiras ou bocados de tecidos velhos cozidos uns aos outros pelas pessoas. Tinham como fim, quando azeitona cai-se aquando da apanha ,em cima do panal, era mais fácil de colher.

No entanto era um tempo alegre, Ouvia-se as pessoas cantar as desgarradas em cima das oliveiras, por vezes em Cortecega ouviam-se as pessoas nas encostas de Carcavelos ou Carvalhal Miúdo.


À entrada desta rua

Logo mesmo à entrada

Há uma oliveirinha nova

Que ainda não foi abanada


Apanhemos a azeitona

Que a comem os pardais

Comem uma, comem duas

Comem três, não comem mais.


Azeitona miudinha

O rouxinol a namora

Pega nela no bico

Bate a asa vai-se embora.


A tua oliveira é grande

Mas a azeitona é miudinha,

Não penses que me enganas

Pois a minha é mais graudinha.


Mais graúda é a tua

Mas de qualidade menor,

Quando o meu azeite chegar

Terá muito melhor sabor.


"Verde foi meu nascimento,

Mas de luto me vesti;

E, para dar a luz ao mundo,

Mil tormentos padeci.


Como demorava alguns dias para apanhar a azeitona toda, era utilizado um método que era o seguinte:

No final do dia despejava-se a azeitona para um panal e era escolhida, ou seja, retirada a folhas e o lixo que tinha. Depois era colocada na tulha, uma camada de azeitona, uma camada de sal, assim sucessivamente até terminar a apanha.


Posteriormente era comunicado aos lagareiros que trabalhavam no lagar que existia em Góis, que a azeitona estava pronta e ensacada para levar, como havia poucos lagares por vezes esperava-se alguns dias para as viram buscar. Passavam com uma camioneta e levavam as de mais pessoas.

Ao chegar ao lagar por vezes tinham ainda de esperar um dia. Para cada um conhecer o seu saco de azeitona metia-se um papel, um fio de outra cor qualquer sinal, servia desde que não fossem misturadas pois cada um queria o seu azeite.


No dia da moagem do azeite, os proprietários da azeitona tinham de ficar no lagar a ajudar os lagareiros. Quando a azeitona não chegava para um moinho a azeitona era pesada e o proprietário trazia os litros do azeite, conforme os quilos de azeitona que tivesse levado. Normalmente tínhamos azeite para todo o ano! Havia anos em que tinhamos mais. Outros anos haviam menos. Depende, conforme a azeitona que fosse, porque as oliveiras nem sempre carregavam todos os anos.


A azeitona era despejada para o pio depois começava a moagem, Dentro do pio existiam a Galga, onde rodavam duas imensas rodas de pedra, as mós, que pisavam a azeitona até ficar tudo feito numa massa preta.


Quando a massa da azeitona estava em condições era colocada em seiras (uma espécie de capacho redondo, em tecido de sisal, algumas, já na era do plástico, entrelaçadas por cordão de fibra sintética), e colocadas umas sobre as outras, até atingir a altura de um homem (1,80m +/-) em ccima da vagoneta, nos seus próprios carris por onde circulava em direcção às prensas.


A vagoneta tinha uma torneira, por onde saía a água russa com o azeite, que depois era encaminhada para umas grandes tinas de metal, "as tarefas".

Esta máquina, munida de fortes rodas laterais puxadas por fortes correias, comprimia o ar que iria fazer pressão na base das prensas, que, com o respectivo êmbolo, levantava as vagonetas com os seiras e a massa negra da azeitona, comprimindo-as contra o tecto metálico da prensa, para espremer o líquido, aquela água russa, que também transportava o azeite.

Nesta operação podem ser utilizados entre quarenta a cinquenta «capachos», alternando com outras tantas camadas de azeitona, cada camada correspondendo, aproximadamente, a dez quilos de pasta de azeitona.

O líquido assim obtido corre da prensa para as pias ou talhas de pedra (designadas, antigamente, na Beira Litoral, por «tarefas»), tomando, a partir daí, o nome de «águas russas». A substância permanece nas pias entre três a quatro horas para efectuar-se a decantação, ou seja, para que o azeite venha ao de cima, enquanto as impurezas ou «almofeira» é escoada pelo «ladrão», uma abertura no fundo da pia, que a leva para um outro depósito, que não se encontra à vista. As impurezas ou subproduto escoado e depositado no «ladrão» são utilizados em várias aplicações: rações para animais, óleos, sabões, etc.


Nestas tinas depositavam-se a água e o azeite, com água quente, permanentemente, a correr para dentro delas. Esses depósitos possuíam uma torneira na parte inferior, por onde ia sendo retirada a água à medida que o azeite se ia purificando e aparecia, dourado, na superfície da água.

As tarefas possuíam outra torneira na parte superior, ligada aos tubos que conduziam à separadora. Quando o azeite já estava decantado, vazava-se água suficiente, para que o azeite se, encontrasse sempre à superfície e chegasse ao orifício dessa torneira, para sair para a separadora no percurso da purificação final.


A fornalha, espaço onde se acendia e mantinha permanentemente uma forte fogueira, situava-se na parte inferior da caldeira metálica em que a água era aquecida. A água entrava fria, vinda do rio, e saía a ferver para as máquinas e para as diversas tarefas que o pessoal tinha que desempenhar com a ajuda dos proprietários da azeitona.

Existia a separadora que servia para quando o azeite já estava quase liberto da água e das maiores impurezas, era levado por tubos para a separadora, que lhe dava o retoque final. Separava definitivamente a água e as impurezas do azeite.


O azeite, depois de ter sido passado pela separadora, era colocado nestes potes nos quais era transportado e entregue na casa do proprietário da azeitona.


Este processo era muito demorado. Por vezes as pessoas ficavam lá um dia e uma noite. Então para matar a fome, as pessoas levavam batatas. O Lagareiro sabia aproveitar muito bem os meios que tinha ao seu dispor. Os seus afazeres não lhe permitiam confeccionar outros alimentos. Assim, colocava as batatas e o bacalhau na fornalha e bastava dispensar-lhe um pouco de atenção, sem perturbar o seu trabalho, enquanto as máquinas lhe impunham desembaraço, no espaço e no tempo.

Conseguia ver confeccionada a sua refeição e dos restantes, quase sem se preocupar. Bastava-lhe colocar lá os alimentos, dar-lhe uma mexedela, sempre que tivesse que abastecer de lenha na fornalha e esperar que as brasas fizessem o resto.


Assim, se repetem, no desfiar dos anos, ritos e tarefas, risos e confraternização, nascidos de um tempo que não se apaga na memória das gentes. Todavia, se do presente pouco há a dizer, do passado não. Por isso se lembra aqui algumas das tradições de outros tempos das quais restam ainda alguns rituais que teimam em sobreviver.


Mas os tempos mudaram, e hoje estes lagares não são permitidos por lei. Hoje, mesmo que os actuais proprietários quisessem manter este Lagar a funcionar, isso não seria possível, poisas múltiplas exigências da União Europeia não o permitem.


Enfim!
São circunstâncias do tempo.

A azeitona segue as fases de um fruto normal, quer dizer:

A árvore floresce, nos meses de Maio e Junho.

Dessa flor nascem as azeitonas, minúsculas bagas verdes, que vão crescendo com o tempo, durante cinco/seis meses.

Nesse período a azeitona amadurece e toma a cor preta.

domingo, 1 de novembro de 2009

OS MOINHOS "Capítulo 4"

Fotos do moinho já restaurado no Corterredor


Hoje são apenas meras relíquias patrimoniais dum passado recente deste povo. Podemos encontrá-los abandonados ao longo das ribeiras. Os mais antigos, eram pequenas construções sem janela, apenas com a porta de entrada e uma "trepeira", que é um pequeno buraco arredondado feito numa laje do telhado. Na minha aldeia só me lembro haver um no Javiel.

Lá dentro um engenho composto de duas mós em pedra de granito, rodeadas de três lajes altas a que chamavam o "cambado". Sobre a mó de cima estava a "moega", uma espécie de caixa afunilada em madeira, onde se deitava o cereal para moer. Este saía pelo fundo da "moega", através da "quelha", uma pequena calha em madeira suspensa por três cordéis que regulavam a saída do cereal, rápida ou lenta. Sobre esta, assentava um dos três braços do "chamadouro", uma espécie de cruz em madeira que ao mesmo tempo assentava sobre a mó superior do moinho, fazendo tremer a calha e cair o cereal lentamente para o olho da mó, que depois de transformado em farinha caía para o "tremunhado".


Na mó superior encaixava a "segurelha", peça de ferro em forma de cruz que por sua vez ligava à "vela", um tronco de madeira aprumado, onde encaixava o "rodízio" uma espécie de roda formada por vinte e quatro penas de madeira nas quais batia a água fazendo mover o moinho.


Este conjunto, situava-se no "cabouco", parte inferior do moinho, assente sobre a "grama", um tronco de medronheiro bifurcado ao qual ligava o pau da cruz vindo do interior do moinho que regulava as mós para moerem mais fino ou mais grosso, conforme o moleiro subisse ou descesse a mesma.


Depois de moída, a farinha era levada para casa em sarrões a fim de se cozer o pão que geralmente era sempre broa, dado que o centeio era só confeccionado em dias de festa. No entanto a sua farinha habitualmente era misturada com a de milho para tornar a broa mais macia e saborosa.


Também este moinho era comunitário onde todos podiam moer o seu milho ou trigo. Contudo, havia regras, cada um tinha o seu dia ou noite. Rodava por todas as famílias da aldeia. Quando alguém precisava de moer no dia do outro tinha de pedir autorização. Lembro-me de ir ao moinho do Javiel com a minha mãe já muito tarde ao longo da noite. Na mão levava-mos a candeia a petróleo para nos alumiar o caminho. Eu tinha muito medo, ia sempre agarrada à saia da minha mãe, pois na altura contava-se que havia lobisomes que atacavam as pessoas de noite.


A MINHA ALDEIA

" Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver. "
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"