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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O NATAL NA MINHA TERRA


A época de Natal era, e ainda é, para mim uma das épocas mais bonitas do ano.
Vivi numa aldeia até aos vinte e três anos e recordo com saudade os natais ali passados. Ainda hoje tenho na minha memória os montes cheios de geada (ou neve), o cheiro da terra molhada e, logo pela manhãzinha, cheirava a lenha queimada… que saudades!
Era, e é, um tempo de família.
Não foram tempos fáceis. Havia muita pobreza mas o Natal daquela época era vivido como a época em que nasceu Jesus e não naquilo que se tornou hoje, época de consumismo e de correrias para as lojas. No entanto, seja no passado ou nos tempos actuais o Natal é uma época muito especial.

Bem, lembro-me do natal na minha terra:
A preparação do Natal começava com alguma antecedência. Como não havia dinheiro para comprar as figuras do presépio, tudo era feito por mim e pelos meus irmãos.
Íamos ao campo apanhar o musgo, a cabana era feita de paus revestidos de palha de centeio. O São José, a Nossa Senhora, o Menino Jesus, a vaquinha e o burrito eram feitos com muito cuidado e normalmente eram representados por bonecos feitos de tecido e pintados com os nossos lápis da escola.
As casas eram feitas com pedras pequenas, pintadas de cal branca e decoradas com pedacinhos de paus, as ovelhas com lã que tiravamos das ovelhas que pastávamos ao longo do ano. Já a igreja era simbolizada por uma cruz feita com paus, o moleiro e os figurantes com boneco de trapos.
Os meus irmãos e o meu pai iam cortar um pinheiro para a árvore de natal que era enfeitada com tiras de tecido que eu e a minha mãe cortávamos de trapos velhos, fazíamos um grande novelo e depois andavamos a volta da árvore a enfeitá-la. Como os panos tinham várias cores ficava muito bonita, pendurávamos imagens de papel feitas por nós.

Na noite de natal, vestiamos uma roupa melhor (a roupa de domingo) e jantávamos as batatas com couves, ovos e bacalhau (este era só quando havia).
Depois, por volta da meia-noite, íamos à missa do galo. Mas como a igreja era na vila de Góis, que ficava a 4 Km, e íamos normalmente a pé, tínhamos de sair de casa uma hora mais cedo para chegar lá à meia noite, regressávamos e junto à lareira deixávamos os nossos sapatos para o menino Jesus vir deixar uma prendinha.

No dia de Natal acordávamos cedo. Apesar de pobres, o nosso menino Jesus deixava o que podia dentro das nossas botas de borracha (imaginem que nós deixávamos as botas de borracha porque tinham um cano mais alto e cabia uma prenda maior). Uma prenda simples como umas meias, uma camisola ou simplesmente um bocadinho de palha davam-nos toda a felicidade do mundo. Esta palha era vendida ao quilo, e era composta pelas aparas das bolachas de baunilha. A cada um calhava um bocadinho embrulhado num cartucho, feito de papel da lista telefónica. Não reclamávamos a prenda, mas a minha mãe logo me dizia: "Sabem, o Menino Jesus é pobre, este ano só te trouxe isto, para o ano talvez seja melhor!”

Depois da azáfama das prendas íamos assistir à missa, na igreja da vila para beijar o menino Jesus e agradecer-lhe as prendas recebidas.
O almoço deste dia era um bocadinho melhor: canja de galinha e arroz com galinha ou um bocado de carne de porco, arroz doce, letria pão-de-ló e filhós, sempre que possível, na companhia da família e amigos.
Há noite, juntavam-se todas as pessoas no largo que fica no meio da aldeia onde previamente tínhamos feito uma fogueira com troncos de pinheiro e oliveira que era acesa na véspera de Natal e durava até dia dos Reis. Ali se comia, cantava os cânticos de natal, dançava ao som das concertinas e percorríamos as ruas da aldeia visitando algumas casas… era uma alegria!

E era assim o Natal na minha terra. Que diferente é a Noite de Natal dos nossos filhos. O sapatinho já não vai para a lareira e as prendas são abundantes e algumas dadas antes do tempo. Enfim, são os sinais dos tempos...

Tenho duas filhas e desde pequenas que faço questão de lhes transmitir como era o meu natal quando eu era pequena e como ficava feliz com as minhas prendas.

7 comentários:

Liberdade disse...

Cara Eugénia,

gostei muito de ler as suas lembranças de Natal e do valor cultural que elas nos trazem. Obrigado e Feliz Natal!

goislivre
http://goislivre.blogspot.com/

Paula Santa Cruz disse...

Parabéns pelo seu texto e como sempre o seu presépio está muito bonito.
Bjs
Paula, Filipe e David Santa Cruz

Acacio Moreira disse...

Olá Eugénia!
Fico contente por saber que vai participar na blogagem colectiva da aldeia. Suponho que com este texto, parabéns, está muito bem elaborado, levando-nos à realidade de outros tempos é tão bom recordar, pena que o Natal de hoje não seja celebrado com a mesma humildade de antigamente, sem hipocrisias com menos prendas mas muito mais amor e harmonia.
Estou a divagar, mas à realidades que não consigo esconder.
Um abraço
Acácio

Dina Neves disse...

Génia adorei esta tua mensagem de Natal...
Fez-me voltar ao tempo em que a minha familia se juntar na nossa querida aldeia de Cortecega...
Os meus pais e padrinhos eu e as minhas manas,trabalhavamos na loja até chegar o ultimo cliente..."dizia o meu pai", então todos na carrinha iamos até Cortecega para nos juntarmos ao avô Rafael e avò Anunciada e restante familia para comermos o celebre bacalhau com batatas e couve, e esperávamos pele meia noite. então lá punhamos a bota, como tu dizes ao pé da lareira e de manhã os netitos tinam pendurado no cano da bota a notita de 500esc. a cheirar a môfo, ainda hoje tenho quando falo deste tempo sinto o cheiro da magia que era o Natal.
um bj mto grd para ti Amiga e toda a tua familia.
FELIZ NATAL

Unknown disse...

Eugénia,
gostei muito de ver as fotografias dos recantos da minha aldeia.
Obrigada
Desejo-lhe um Feliz Natal.
Lucinda Rosa
Corterredor

Anónimo disse...

Na nossa infância (e juventude) nem tudo foi fácil. Na verdade na nossa vida nem tudo é fácil. Mas é curioso que relembramos, de entre os tempos dificeis coisas tão bonitas e que nos faziam sentir tão bem. A minha árvore éra enfeitada com algodão branco e cor de rosa. O Natal nem sempre uma alegria imensa. Mas os cheiros que ainda hoje recordamos, as prendas mais queridas que nos davam (que podiam ser só um chocolate), eram de tal forma apreciados!
Parabens por mais uma blogagem!

Adriano Filipe disse...

Já li e relei-o o seu texto quase todos os dias,é fabuloso;-não nasci na aldeia,mas em quase tudo, os Natais da minha infância foram muito parecidos.Não tinha Presépio!
mas tinha o amor dos meus saudosos Pais.
Falta-me as palavras,
agradecido pelas suas lembranças, os meus olhos estão....
Felicidades

A MINHA ALDEIA

" Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver. "
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"